A INSATISFAÇÃO COM A FUGACIDADE DA VIDA: UMA HIPÓTESE PARA O DERROTISMO NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS

Qual é o objetivo da vida? Esta pergunta é tão antiga quanto a humanidade, e persiste até os nossos dias. Desde os prováveis homens das cavernas, ao admirar uma linda noite de lua cheia e o céu estrelado, até os mais renomados intelectuais, nos corredores das mais conceituadas Universidades do mundo, neste início de novo milênio, o ser humano vem buscando resposta a essa intrigante questão. A origem da vida ainda é tema de debates acirrados nesse século vinte e um. E é um problema difícil de resolver, pois requer investigações em todos os campos do conhecimento científico, desde a imensidade do espaço até à infinita pequenez da matéria. Perguntas do tipo: Como surgiu a vida na terra? Por que surgiu a vida? Tem a vida um objetivo? Não podem encontrar suas respostas nas descobertas científicas. A ciência apenas pesquisa o “como” das coisas. “Como” e “por que” são duas perguntas inteiramente diferentes. O porquê das coisas deve ser investigado pela filosofia e religião e, principalmente, cada um de nós deve se interessar em achar a resposta a essas intrigantes questões. Mas a humanidade vive um verdadeiro paradoxo, pois quanto mais o universo nos parece compreensível, tanto menos entendemos seu objetivo.

Se a busca pelo significado da vida é uma tarefa que cabe a cada ser humano individualmente, o poeta não se eximiu de seu papel nesta empreitada. A poesia de Augusto dos Anjos é uma pequena amostra dessa busca incessante pela resposta à “maior questão”. Mas antes de analisarmos a poesia precisamos conhecer o autor.

POETA DE NASCIMENTO

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na Fazenda Pau D’arco, município de Cruz do Espírito Santo, estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884 e faleceu na cidade de Leopoldina, Minas Gerais em 12 de novembro de 1914. Identificado por alguns como simbolista, por outros como parnasianista e ainda, como pré-modernista por outros críticos literários como Ferreira Gullar e Massaud Moisés. Estudou no liceu Paraibano, onde veio a ser professor em 1808. Compôs seus primeiros versos aos sete anos de idade. Em 1903, ingressou no curso de Direito na Faculdade de Direito de recife, bacharelando-se em l907, mas não exerceu a advocacia. Em 1910 casou-se com Ester Filiado, com quem teve dois filhos. Tornou-se professor de literatura e lecionou no Rio de Janeiro e na Paraíba. Mudou-se para Minas gerais e viveu na cidade de Leopoldina onde exerceu a função de diretor do grupo Escolar Municipal daquela cidade. Acometido de pneumonia que o debilitara, especialmente a partir de 30 de outubro de 1914, veio a falecer às quatro horas da manhã do dia 12 de novembro do mesmo ano. Publicou em vida, com a ajuda de seu irmão, um livro de poesia intitulado, “Eu”. Este mesmo livro foi reeditado com o acréscimo de poesias ainda não publicadas, por seu amigo Órris Soares com o título de “Eu e Outras Poesias”.

O “Poeta do Hediondo”, como Augusto dos Anjos ficou tachado por alguns críticos, devido às características “bizarras” de sua poesia, também é reconhecido por muitos como um grande nome da poesia brasileira. Massaud Moises o define como sendo um “poeta inconfundível e dos mais inspirados de nossas letras, augusto dos Anjos embriaga e perturba” ( p. 316).

Para alguns críticos literários, augusto dos Anjos é simbolista, devido às marcas simbolistas presentes em sua poesia. Outros o consideram parnasiano, por causa do estilo rebuscado e a linguagem culta utilizada em seus versos. Ainda outros o situam com o cientificismo naturalista. Porem, devido ao caráter sincrético de sua obra, é mais conveniente classificá-lo como pré-modernista, e inclusive, ao introduzir na poesia termos considerados até então como anti-poéticos como, escarro, verme, germe, etc., ele antecipa em seus versos um estilo de poesia que se tornou marcante e identificador da poesia modernista. Um dos poemas que reforça esta idéia do pré-modernismo é o poema “Versos Íntimos”, analisado abaixo:

VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

Nesse poema podemos observar algumas características inovadoras que marcou a obra de Augusto dos Anjos. Além do uso na linguagem de termos considerados “baixos” (como a palavra escarro), também o uso da linguagem coloquial e do cotidiano das pessoas como no verso 9. (Toma um fósforo. Acende o teu cigarro!). Com essas características na poesia, Augusto dos Anjos antecipou a discussão do que vem a ser a “boa” poesia. Essa discussão se tornou acesa na poesia a partir da segunda década do século vinte, na chamada poesia modernista. Portanto, podemos situá-lo como pré-modernista.

O ecletismo de Augusto dos Anjos permite supor em que diversas fontes ele bebeu. O que fez de sua poesia uma condensação de diversas ideologias filosóficas, científicas e estéticas. Massaud Moises definiu o ecletismo de Augusto dos Anjos da seguinte forma:

Num caldeamento heteróclito, nele desembocam alguns dos principais veios filosóficos, científicos e estéticos que percorrem a literatura européia, e a brasileira, no transcurso do século XIX. A primeira, foi buscar o exemplo de um Baudelaire e sua poesia da decomposição; de um Cesário Verde e sua poesia do cotidiano urbano e expressionista; de um Schopenhauer e sua filosofia da dor e da vontade (como se nota em ‘Versos Íntimos’); de um Hengel e sua filosofia dialética e idealista (‘O meu Nirvana’, ‘Vítima do Dualismo’,’Ao Luar’); dos naturalistas, como Darwin, Haeckel e outros, e sua teoria evolucionista. Dentre os nossos, recebeu o impacto da poesia científica, da parnasiana, e de Cruz e Sousa. Toda essa massa de informações, recebida pela mundividência de Augusto dos Anjos em razão de uma íntima afinidade eletiva, e assimilada às matrizes próprias do poeta, tem dificultado seu enquadramento histórico-estético. ( P.317)

OS MOTIVOS DO DERROTISMO.

Qual o motivo de tanto derrotismo na poesia de Augusto dos Anjos? Muito se tem especulado a esse respeito. Teria sido a condição financeira precária ocasionada pela perda do Engenho Pau D’arco por seus familiares devido a dívidas? Ou seriam sequelas deixadas pelo sofrimento que acometera Sinhá Mocinha, mãe de Augusto dos Anjos ao saber da morte de seu irmão durante a gravidez?

É difícil determinar exatamente qual o motivo de tanto derrotismo na poesia de Augusto dos Anjos. Uma hipótese é levantada por Horácio de Almeida no trabalho “As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos”. Segundo esse autor, o que causou o derrotismo de Augusto dos Anjos, teria sido o amor frustrado, conforme ele declara a seguir: “[…] não tenho dúvidas em afirmar que foi o drama do amor. Trata-se, pois, de uma paixão, cujo desfecho infeliz teria abalado convulsivamente sua personalidade carente de equilíbrio…”. O tema do amor frustrado parece ser convincente em “As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos”, mas o objetivo desse trabalho não é corroborar ou desacreditar “ As Razões da Angústia de Augusto dos Anjos”. Sabe-se, porém, que qualquer pessoa que ama, deseja eternizar o sentimento e a pessoa amada, ou seja, qualquer amor só vale se for eterno.

HOMO INFIMUS

As inquietações de Augusto dos Anjos, presentes em sua poesia, dão conta de um ser insatisfeito com uma vida terrena, como se pode observar no poema “Homo Infimus” abaixo:

Homem, carne sem luz, criatura cega,

Realidade geográfica infeliz,

O Universo calado te renega

E a tua própria boca te maldiz!

O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o omega

Amarguram-te. Hebdômadas hostis

Passam… Teu coração se desagrega,

Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!

Fruto injustificável dentre os frutos,

Montão de estercorária argila preta,

Excrescência de terra singular.

Deixa a tua alegria aos seres brutos,

Porque, na superfície do planeta,

Tu só tens um direito: – o de chorar!

Pode-se observar no poema que o homem “criatura cega” só tem o direito de chorar. Presume-se que Augusto dos Anjos, ao observar a fugacidade da vida e as mazelas causadas pelo homem, ao próprio homem e ao meio ambiente, concebe um ser humano infeliz, insatisfeito com a vida e, portanto, qual cego que tateia em busca do significado da vida e sem um rumo a seguir.

A mesma negatividade é apresentada no poema “Minha Finalidade”, onde o poeta se autodefine como representante de toda a raça humana e afirma trazer em si “ A fórmula de todos os destinos”. Observa-se que, o eu poético apodera-se de um negativismo para externar a sua desilusão com a frágil e fugaz existência humana.

MINHA FINALIDADE

Turbilhão teleológico incoercível,

Que força alguma inibitória acalma,

Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma

Dos que amam apreender o Inapreensível!

Predeterminação imprescriptível

Oriunda da infra-astral Substância calma

Plasmou, aparelhou, talhou minha alma

Para cantar de preferência o Horrível!

Na canonização emocionante,

Da dor humana, sou maior que Dante,

– A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno…

E trago em mim, num sincronismo eterno

A fórmula de todos os destinos!

O poeta extravasa sua angústia no poema “Apóstrofe à Carne” onde descreve a vida fugaz como uma herança horrenda, nefasta, que o pai deixa para sua prole.

APÓSTROFE À CARNE

Quando eu pego nas carnes do meu rosto
Pressinto o fim da orgânica batalha:
– Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…

E o Homem – negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha.
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas.
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos.

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

O eu poético, mais uma vez, deixa transparecer sua decepção com a fragilidade da vida humana, bem como sua brevidade. É doloroso para o poeta ter que deixar a podridão da carne mortal para seus filhos.

Continuando nesta mesma linha de insatisfação com a fugacidade da vida humana, Augusto dos Anjos deixa transparecer agora na poesia “O Pântano”. A ideia derrotista da “ raça ardente”, o ser humano e sua vida curta com suas mazelas, é derramada através do lirismo nefasto do poeta do hediondo.

O PÂNTANO

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!…
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranquilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, á espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta…

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!

Assim, se buscarmos em toda a poesia de Augusto dos Anjos, encontraremos ecos de insatisfação com a brevidade da existência humana. A “angústia da raça ardente” fez de Augusto dos Anjos, apesar da beleza de seus versos, na maioria em forma de sonetos, o poeta do hediondo, do nefasto, da dor. Mas acima de tudo, ele assume o papel de representante da raça humana na busca pelo significado da vida.

Augusto dos Anjos não foi o primeiro e jamais o último poeta a se questionar sobre por que existimos. O poeta costuma apresentar a espécie humana na busca por respostas desse gênero. Enquanto o ser humano existir, dará voz a essa busca. Muitos poetas ainda lapidarão o tema da fugacidade da vida humana e suas mazelas, mas ficará para a posteridade, não uma “herança horrenda”, mas uma poesia que encanta por sua musicalidade, na maioria das vezes em forma de soneto.

Ficará um brado retumbante na questão implícita da busca pelo significado da vida: de onde viemos? Se meditarmos mais profundamente nos poemas de Augusto dos Anjos, encontraremos nas entrelinhas, a indagação que atormenta qualquer um: para onde vamos? E, claro, acharemos por trás de um “Versos Íntimos” ou na “Psicologia de Um Vencido”, ou em tantos outros belos poemas rancorosos de Augusto dos Anjos, uma fonte infinita de imaginação que nos cobrará resposta à última questão da trilogia objetivo da vida, que é por que estamos aqui?

Portanto, o poeta do hediondo, pode ser também, o poeta da busca pelo significado da vida. O poeta da indagação, ou qualquer epíteto que traduza a sua grande inquietação, tão marcante em sua poesia. E fica a humilde sugestão, que aponta mais um caminho para se entender o negativismo na poesia de Augusto dos Anjos, qual seja: a insatisfação com a fugacidade da vida humana.

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